Reunião Pública sobre Descumprimento da ADPF 635 e a Sentença de Nova Brasília

Por FPopSeg / Bethânia Suárez

Frente aos sucessivos descumprimentos da ADPF 635 e a sentença do Caso de Nova Brasília pelo Estado do Rio de Janeiro, neste último dia 24 de maio, o Ministério Público Federal/PRDC promoveu uma reunião pública para debater as violações a essa mesma ADPF e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Nova Brasília. 

O dia na cidade, no entanto, amanheceu debaixo de tiros, com mega operações policiais no Complexo da Penha e do Alemão, justamente na data em que completa 1 ano da chacina ocorrida na Vila Cruzeiro, que ceifou a vida de 23 pessoas. 

É de um simbolismo cruel: além da violência em si perpetrada pelas incursões, é também uma demonstração de poder, pois apenas o Estado é responsável pela gestão dessa máquina de morte, e tão somente o Estado tem a capacidade econômica, estrutural e organizacional capaz de vitimizar e revitimizar tantas famílias. 

Não podemos esquecer quem é o responsável final por todo esse ciclo odioso de morte: o Estado, seja através da negligência ou de sua ação direta. É nesse tom que se desenrola a reunião, com ciência de que não tem ninguém se enganando, a máquina de morte é gerida pelo Estado, que opera orientado por uma lógica supremacista e racista. 

Nesse sentido, é importante que entes da administração pública entrem em contato com essas discussões e com as proposições daqueles que mais sofrem com o terrorismo de Estado. 

Assim, estiveram presentes na reunião o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), as Procuradorias Federais e Regional dos Direitos do Cidadão (PFDC e PRDC), além de representações do Ministério da Justiça, Ministério da Igualdade Racial, Ministério de Direitos Humanos, Daniel Sarmento, autor da ADPF e ex procurador da república, a Defensoria Pública do estado, a Ouvidoria Geral da Defensoria Pública, parlamentares eleitos pelo estado de Rio de Janeiro e diversas organizações e movimentos da sociedade civil organizada.

Como esperado, o atual governador Cláudio Castro não compareceu à reunião e enviou duas representantes que em nada colaboraram para a exposição, parecendo surpresas ao serem convidadas a proferir uma fala ainda no início da reunião. Essas representantes do governador eram do Instituto de Segurança Pública (ISP) que se abstiveram de qualquer contribuição. A representação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), órgão responsável pelo controle
externo da atividade policial, também não estava presente na reunião. Esse quadro é uma exposição clara do desalinhamento entre as instituições federais e estaduais.

Em um momento tão delicado, no qual o governo do Rio de Janeiro entrega, às pressas, um Plano para a Redução da Letalidade Policial capenga e truncado, a ausência desses atores, que insistem em se demonstrar completamente intransigentes às recomendações do Supremo Tribunal Federal, da Corte Interamericana de Direitos Humanos, da sociedade civil organizada, da Defensoria Pública, entre outros, é simplesmente uma ofensa. Uma ofensa a todos que trabalham pela promoção de uma cidadania plena e uma revitimização de familiares e dos sobreviventes do terrorismo de Estado.

A falência da atual política de segurança pública é incontestável, mas o governo de Cláudio Castro insiste em tomar a via da insensatez e segue caminhando de mãos dadas com a extrema direita fluminense, endossando as falácias que buscam criminalizar a ADPF 635 e as suas organizações componentes, avançando com a milicialização do território e enfraquecendo os Programas de Proteção a Defensores de Direitos Humanos. 

Mesmo que a reprodução fordista desse modelo político obsoleto não mostre resultados efetivos no combate a criminalidade, alguns setores da sociedade, principalmente os ligados ao capital empresarial, insistem em bradar furiosamente que a ADPF 635 impossibilitou a atuação das forças de segurança nas favelas e periferias, contudo, os dados coletados pelas organizações que integram o Fórum Popular de Segurança Pública indicam justamente o contrário. Desde que o STF suspendeu formalmente as incursões policiais em 2021, o Instituto Fogo Cruzado mapeou o acontecimento de
10 chacinas policiais, dentre as quais 8 entraram para o “ranking” das mais letais ocorridas no estado. 

Ainda, segundo a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), apenas nos três primeiros meses de 2023, foram registradas cerca de 292 operações policiais nos territórios da Baixada Fluminense. Qualquer pessoa minimamente provida de lucidez consegue constatar o óbvio: nem a tramitação da ADPF 635, tampouco a condenação no caso de Nova Brasília foram capazes de frear a política sanguinária de segurança pública do estado. 

Seguindo por esse caminho, é quase impossível evitar uma nova responsabilização do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos. Desse modo, a reunião no MPF representa um importante gesto por parte da esfera federal no estabelecimento de contrapontos ao que tem sido produzido institucionalmente no campo da segurança pública para o Rio de Janeiro.

Os movimentos e organizações do FPOPSEG esperam que, de fato, essa possibilidade de diálogo não se encerre e que a presente reunião possa render frutos concretos que impactem direta e positivamente a vida dos moradores do Rio de Janeiro, em especial dos mais vulneráveis a violência do Estado.

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